Sexta-feira, 2 de Novembro de 2007
Porque não, não é só o trabalho. E engane-se aquele que pensa que são só os telefonemas de última hora a querer coisas para ontem que tornam a Sexta-feira em algo deminíaco. Nem sequer é o facto de ter de falar com a mesma pessoa que, infelizmente tem uma voz um bocado afectada, sete ou mais vezes na mesma tarde. E até se pode alegar que a descoberta de um erro num ficheiro que se julgava arquivado até ao resto da nossa vida arruina o dia e, no entanto, continua a ser um pouco mais do que isso.
É o calor inesperado do escritório que estraga a tão esmerada coordenação de cores e nos obrigar a dispensar aquela camisola a meio do dia, o que é uma pena, porque ficava mesmo bem por cima da camisa verde, ou pelo menos era o que eu pensava e até estava num daqueles dias raros que começaram com uma inusitada confiança matinal durante a mirada rápida ao espelho antes de descer os degraus a correr. E nem assim as ditas cores resistiram até ao final do dia.
Sair para almoçar com o casaquinho que não é quente nem frio e perceber que, tal e qual como nos tempos do secundário, continuamos a não saber exactamente a quantidade e volume de roupa de que precisamos. Como se não bastasse, a porcaria das sapatilhas favoritas, já usadas mas ainda muito fashion, lembram-se de se tornar ligeiramente desconfortáveis.
Uma hora depois do previsto saio do escritório e chego à brilhante conclusão de que meio mundo decidiu vir passar o fim-de-semana a Barcelona. E tudo me parece um normal e, por isso, caótico dia de Agosto com as devidas excepções; a temperatura e a cor do céu.
E eu já só penso nos crepes que tenho à espera em casa - abençoada Teresa! Para que as coisas melhorem definitivamente decido investir numa bela embalagem de Nutella, erro crasso. Porque são os turistas e os locais e os vizinhos e o raio a quatro e todos parecem ter 'marcado cita' no supermercado.... Deixei de contar os minutos e de tentar perceber qual a fila menos lenta, porque nenhuma era rápida, e olhava para o meu Nutella a antecipar aquela primeira dentada no crepe receheado com uma quantidade excessivamente generosa daquilo a que chamam creme de avelãs, o que me parece um óptimo eufemismo para quantidades calóricas de chocolate. Escusado será dizer que tive de trazer uma garrafa de vinha branco por arrasto, é daqueles dias em que o chocolate não salva tudo.
Depois da indecisão na escolha das filas, da demora manifestamente superior daquela que escolhi e de muitos pensamentos psicóticos; o querer ir embora mas ao mesmo tempo convencer-me de que quem espera 10 espera 15 (ou 30!) e querer abrir o frasco de Nutella desenfreada e descontroladamente e enfiar um dedo maroto ao mesmo tempo que me imaginava a sorrir maliciosamente para toda aquela gente que tem também uma tremenda falta de percepção de espaço vital porque estão sempre quase em cima de nós...
E o Nutella e o crepe, já os visualizo e isso ajuda-me a subir os 96 degraus com a certeza de que, hoje, não os vou descer. Finalmente! Chego a casa, ao sossego desejado e ao início, já tardio, da não acção.
...
Imagino que esta minha descoberta já seja uma verdade universal para a grande maioria dos mortais e mesmo que sempre suspeitasse que devia haver algo mais a contribuir para a mística da Sexta-feira, só hoje o senti na pele. Muito provavelmente porque também só há pouco tempo tenho um desses mal-amados empregos de escritório.
Durante os tempos de estudo (pouco) a Sexta-feira era apenas o prelúdio para um período de menor actividade institucional, ou seja, se durante a semana já não fazia muito a Sexta-feira anunciava dois dias de não existência ou de não acção.
Durante os 11 meses de trabalho por turnos quase nunca sabia quando era Sexta ou Quinta ou mesmo Domingo. E mesmo aqui, nesta cidade de loucos, sempre resisti a essa ideia negativa do último dia da semana, porque é precisamenete isso que deve ser celebrado, o facto de ser o último.
Percebo agora o meu erro. Um feriado à Quinta-feira altera bastante a nossa perspectiva ou talvez sirva apenas para isso mesmo, para pôr as coisas em perspectiva. Ontem estava feliz e conente da vida, sinónimos de satisfeita (coisa rara de há uns anos para cá) a pensar na delícia de dia que tinha tido: folga do trabalho, bom tempo, passeiozinho com amigos e conversas que questionam as poucas certezas que se julgavam adquiridas.
Enquanto jantava estava p'ra aqui a falar com a Federique e a prever meu dia que, pensava eu seria bastante calmo, no fundo queria que fosse o tal prelúdio para a não acção.